AS MAIORES TRILOBITES DO MUNDO

GEOLOGIA DE CANELAS

Sabia que há cerca de 540 milhões de anos a região de Arouca se encontrava coberta pelo mar? Pois é, data pelo menos dessa altura a história geológica de Canelas. Depositaram-se nesse mar os sedimentos de idade câmbrica ou até mais antiga que se transformaram em xistos, quartzitos e conglomerados. São também desta idade algumas rochas vulcânicas.

Há cerca de 500 milhões de anos a colisão de placas continentais fechou este mar originando dobras e fraturas. Á semelhança do que aconteceu com o oceano Atlântico mais recentemente, há cerca de 488 M.a, na transição do Câmbrico para o Ordovícico, iniciou-se a abertura de um rífte (evidenciado pela presença de rochas vulcânicas) originando um novo mar, conhecido por oceano Rheic.

Depositaram-se sedimentos grosseiros, típicos de praias, como seixos e areias, que mais tarde vieram a originar conglomerados e quartzitos.

À medida que a profundidade do mar aumentava, os sedimentos iam sendo mais finos, tendo originado as famosas ardósias e outras rochas xistentas muito ricas em fósseis, que constituem as internacionalmente reconhecidas jazidas fossilíferas da região de Canelas.

No final Ordovícico (há cerca de 444 milhões de anos) formaram-se depósitos com características glaciárias, originados a partir de icebergs e de glaciares. Trata-se de sedimentos transportados a partir de uma grande massa de gelo que cobria na época a África do Norte, então localizada no Polo Sul, estando nessa altura a Península Ibérica junta ao continente africano.

Durante o Silúrico (444-419 milhões de anos), após oscilações do nível do mar provocadas pela glaciação do final do Ordovícico, o mar voltou a avançar, tendo-se depositado sedimentos argilosos intercalados com sedimentos arenosos, que mais tarde deram origem a xistos negros e quartzitos.

Os últimos sedimentos depositados em ambiente marinho são do Devónico, constituídos essencialmente por quartzitos e xistos e datam de há cerca de 393 milhões de anos. Há cerca de 360 M.a. a Orogenia Varisca deu origem a uma grande dobra, com quilómetros de extensão, que é conhecida por Anticlinal de Valongo, localizando-se Canelas no seu flanco ocidental.

No Carbonífero, há aproximadamente 300 milhões de anos, a sudoeste deste Anticlinal, instalaram-se lagos e rios, nas margens dos quais se desenvolveu importante flora. Entre as rochas dessa idade observa-se uma brecha formada por clastos que escorregavam pelas vertentes da bacia, xistos com fósseis, essencialmente de vegetais, arenitos, conglomerados e intercalações de leitos de carvão, resultante da vegetação existente na área.

Os depósitos mais recentes que ocorrem na região são aluviões e terraços fluviais do Quaternário.

O QUE SÃO TRILOBITES?

As trilobites foram sem dúvida um dos mais bem-sucedidos grupos de organismos desde o início da vida na Terra. A sua evolução foi marcada por numerosos avanços e recuos durante os cerca de 300 milhões de anos do seu registo estratigráfico na história do planeta. Apareceram abruptamente na parte inferior do Período Câmbrico (com início há cerca de 550 milhões de anos), tendo-se extinguido no final do Período Pérmico (há cerca de 230 milhões de anos), o último período da Era Paleozóica. As trilobites marcaram o início e o fim desta importante e longa era.

As trilobites são classificadas como artrópodes e o seu corpo dividia-se em três partes: um cefalão (cabeça), um tórax (tronco) e um pigídio (cauda). Cada uma destas partes era composta por três lobos, um central e dois laterais, daí o nome trilobites. O seu estudo mais pormenorizado permite saber que o lobo central (ou axial) das trilobites continha a maioria dos órgãos vitais associados aos sistemas digestivo e nervoso. Por seu lado, os lobos laterais (ou pleurais), não só forneciam cobertura aos apêndices ventrais, como albergariam outros órgãos ligados ao sistema circulatório. Pensa-se também que, à semelhança de alguns artrópodes actuais, nas trilobites o estômago estivesse alojado sob o cefalão e que a respiração se fizesse por guelras, localizadas num dos dois ramos de cada uma das patas. O tórax era formado por segmentos articulados em número variável, o que permitia o enrolamento da carapaça numa reacção instintiva de defesa, similar à dos bichos-de-conta actuais. O sistema visual das trilobites era muito desenvolvido, representando o mais antigo conhecido. Os seus olhos fossilizavam com facilidade pois eram compostos por inúmeras lentes de calcite cristalina.

Durante o crescimento, as trilobites, tal como outros artrópodes, levavam a cabo várias mudas periódicas das carapaças, deixando no fundo do mar os exoesqueletos antigos e segregando novos em sua substituição. Por isso, na actualidade, a maioria dos fósseis de trilobites representam carapaças abandonadas e não trilobites completas.

AS MAIORES TRILOBITES DO MUNDO?

Nos finais do século XIX, o paleontólogo português de renome internacional Nery Delgado descreveu a mítica espécie Uralichas ribeiroi para além de uma morfologia muito característica do género, Uralichas (DELGADO, 1892). A grande novidade era a sua grande dimensão, demonstrada pelo aparecimento de fragmentos que permitiram calcular que esta espécie poderia hipoteticamente chegar aos 660 mm. Este recorde mundial, detido por exemplares da Formação Valongo, só foi destronado no ano de 2003 por um exemplar descoberto no Canadá, da espécie Isotelus rex, que atinge um comprimento de 720 mm.

Thadeu, em 1956, apontava já como característica primordial dos fósseis de Canelas o gigantismo de algumas espécies. Quando Gutiérres-Marco observou em 2003 o espólio já resgatado, ficou impressionado com a dimensão ostentada por alguns exemplares, que mediam mais de 400 mm. Em 1994, Fernando Lanhas, ao observar um fragmento torácico de uma trilobite de Canelas, logo fez um cálculo apontando para uma dimensão superior ao conhecido até ao momento.

No período compreendido entre 1995 e 2003, existiam em Canelas, com conhecimento da comunidade científica, as maiores trilobites, dado a maior conhecida até essa data ser também um exemplar de Isotelus rex, descrito com 430 mm.

A primeira trilobite gigante terá aparecido em meados da década de noventa, tratando-se de uma muda de Ogyginus forteyi com 560 mm, recorde que seria quase igualado, no mesmo ano de 1995, com um exemplar fantástico de Hungioides bohemicus arouquensis, que apesar de não se encontrar completo mede 520 mm.

Ultrapassada a barreira dos 500 mm, alguns fragmentos indiciavam maiores dimensões. Era mais uma vez uma questão de tempo. Foi necessário esperar mais de uma década até ao primeiro sinal de um exemplar que finalmente se aproximava do recorde mundial, e esse dia aconteceu em 26 de Março de 2007, com um exemplar de Ogyginus forteyi bastante fracturado mas com uma medida a chegar aos 700 mm.

Como disse anteriormente, “um milagre nunca vem só” e prova disso mesmo é que, em menos de um mês, a 24 de Abril de 2007, um novo exemplar da mesma espécie surgia, desta feita parcialmente enrolado. Apesar desse facto, e atendendo à dimensão da parte visível, estaríamos sem dúvida na presença do maior exemplar até hoje conhecido em Canelas. Essas dúvidas foram esclarecidas em meados de 2008, quando a excursão Pré-Congresso do 4th International Trilobite Conference – TRILO ’08 se deslocou à Louseira de Canelas. Um dos cientistas presentes, especialista em medições de trilobites, recorrendo aos parâmetros morfométricos do cefalão, apontou para 856 mm de comprimento. Novo máximo mundial? Estudos mais profundos o confirmarão!

O final de 2009 teve um acontecimento muito especial: o aparecimento de um exemplar gigante da espécie Nobiliasaphus delessei (DUFET, 1875). Apareceu como um brinde a 2009, ostentando um comprimento corporal de 530 mm. Atendendo a que a sua ponta caudal longa e fina de secção circular atingiria a mesma dimensão do pigídio, já observado em exemplares que milagrosamente a conservaram (ver foto), e que neste caso mede 200 mm, é muito fácil calcular que este exemplar atingiria os 730 mm de comprimento máximo, passando a ser a segunda maior trilobite de Canelas e talvez do mundo…

Para conferir uma retumbante legitimidade, como um selo de garantia, ao gigantismo das trilobites de Canelas, apareceram alguns exemplares gigantes acompanhados por pequenas trilobites de espécies diferentes. Num dos casos, a diferença de tamanho chega a ser dezasseis vezes inferior. Habitualmente estão sobrepostas, não demonstrando grandes afinidades comportamentais. Num outro exemplar, o seu posicionamento ao lado do olho da trilobite gigante permite aferir que esta é mais pequena que o próprio olho da grande.

Outros Fósseis

Apesar das trilobites serem actualmente os fósseis mais bem conhecidos de Canelas, o fundo dos mares ordovícicos era partilhado por muitos outros seres. A sua presença é atestada porque muitos destes animais possuíam uma concha ou carapaça mineralizada que permitiu uma excelente fossilização.

Esta excepcional colecção paleontológica alberga uma fauna de invertebrados fósseis do Ordovícico Médio, onde se destacam trilobites, bivalves, gastrópodes, cefalópodes, braquiópodes, crinóides, cistóides, hiolítideos, conulárias, ostracodes, graptólitos e icnofósseis.

Os cefalópodes são os invertebrados mais importantes do Ordovícico de Canelas onde ocuparam o topo da pirâmide alimentar dado serem predadores activos com dimensões que poderiam chegar aos dois metros de comprimento.

ICNOFÓSSEIS

A fauna fóssil de Canelas evidencia ainda os produtos da actividade biológica de seres que optaram, na sua evolução, por viverem abaixo do fundo marinho. Assim, surge um interessante registo de vestígios de comportamento de organismos, conhecidos como icnofósseis, que se materializa na forma de galerias de habitação e/ou alimentação.

Existe ainda o caso da preservação dos excrementos produzidos pelos animais que viviam sobre o fundo marinho. Em Canelas foi encontrada recentemente uma forma de comportamento considerada nova para a Ciência. Este icnofóssíl Phycodes canelensis corresponde a câmaras a partir das quais se desenvolvem galerias ascendentes, totalmente preenchidas por pelóides fecais.

MICROBIALITOS

São estruturas sedimentares que resultaram do crescimento centrípeto de colónias de bactérias à volta de cefalópodes depositados ainda em decomposição no fundo marinho. Este crescimento deu-se com a exalação de fluídos orgânicos em ambiente muito pobre em oxigénio, favorecendo o crescimento de bactérias que “respiram” enxofre e que “excretam” pirite.

AS TRILOBITES SÃO O MAIS FAMOSO ANIMAL DA ERA PALEOZOICA